Um bebê engatinha livremente pelo piso emborrachado, olhando curioso para as formas geométricas coloridas do chão. Outro se apoia nas pernas da mãe para pegar o livro na estante baixa. A babá, com o garoto no colo, dá voz aos personagens da história que tem nas mãos, enquanto ele aponta o dedinho para as ilustrações. A menina com a chupeta na boca se esparrama no pufe. Bateu o soninho? A mãe a leva para a sala reservada, com luzes baixas, onde outra mãe amamenta seu filho. Para manter o piso limpo, todos os adultos têm de calçar uma espécie de sapatilha cirúrgica sobre os sapatos. Ao lado da porta, há um verdadeiro estacionamento de carrinhos de bebê.

É nesse ambiente aconchegante que funciona a Biblioteca para Bebês da Sala Borsa, na cidade de Bolonha, na Itália. A Sala Borsa fica no histórico Palazzo d’Accursio, ou Palazzo Comunale, na Piazza Maggiore. Reformada em 2008, ganhou um espaço dedicado à leitura na primeira infância (zero a três anos), nascido da percepção de que a literatura pode ser uma grande aliada no desenvolvimento cognitivo dos pequenos. Ali também, mães que já perceberam esse valor se reúnem com educadores, bibliotecários e outras mães, para trocar experiências.

Mas não foi só na Itália, ou na Europa, que se levantou a bandeira sobre a importância do contato com os livros desde os meses iniciais de vida – e, por que não, desde a gestação? No Brasil, já demos os primeiros passos. Iniciativas pioneiras, como o Programa Bebelendo, das professoras Rita de Cássia Tussi e Tania Rösing (Universidade de Passo Fundo), e a criação de uma biblioteca para bebês nas duas últimas edições do Salão do Livro para Crianças e Jovens, organizado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), merecem destaque.

Nesse contexto, chega às livrarias “Ops”, da autora Marilda Castanha, um convite para que pais leiam com seus filhos desde o berço. “Ops” é um desses livros formidáveis, simples para quem vê, mas engenhoso em sua concepção. Combina a repetição de uma mesma palavra – e todos os pais conhecem o famoso “de novo!” dos filhos, surgido da necessidade de ouvir as mesmas histórias, cantar as mesmas músicas, assistir aos mesmos filmes, como uma forma de compreensão e assimilação do mundo – com situações próprias do universo infantil. Afinal, que criança nunca derrubou a bola de sorvete no chão, levou uma lambida do cachorro ou quebrou algum objeto da mãe no meio do jogo de bola? Outra ousadia da autora: “Ops” traz nas páginas finais uma curta sequência narrativa, brincando com o livro dentro do próprio livro.

Com esta ideia em mãos, coube à equipe da Cosac Naify trabalhar com a tipografia de modo a criar uma perfeita interação, na qual a palavra de fato torna-se a imagem. Assim, ao quebrar a “vidraça”, é a própria letra “o” da palavra “ops” que se estilhaça. As curvas da letra “s” traçam o caminho do cachorro eufórico ao encontro do menino. E brincar no balanço ao som de “oooooopppssss” é muito diferente de escorregar e… “oooooooops”. Um autêntico livro ilustrado para bebês.

Cada criança vai perceber toda essa complexidade à sua maneira – e no seu tempo. O mais importante, nessa fase, é despertar a curiosidade e propiciar o contato com o livro. Ele vai colocar na boca? Sem problemas. Porque assim ele cria, também, uma familiaridade com o objeto. Vai manusear, apontar, brincar, jogar… vai ler com as mãos. Ainda reconhecerá as cores, as formas, os objetos. Quando a mãe ou o pai lerem “Ops” para o bebê, ele vai perceber a entonação e a cadência, a expressão facial, vai imitar os sons – parte do seu processo de desenvolvimento social, psicológico e emocional.

A razão mais importante da leitura para o bebê, no entanto, é a troca afetiva entre pais e filhos, avós e netos, babás, professores e seus pupilos. Afinal, esse gesto tão íntimo pressupõe o colo, o carinho, o cuidado em criar um ambiente acolhedor – como o da incrível biblioteca de Bolonha – e escolher um livro estimulante – como “Ops”. Os leitores de primeira viagem agradecem.

*Vanessa Gonçalves é editora-assistente de livros infantojuvenis da Cosac Naify.